Segundo o diretor do Depen, recém-empossado no
cargo, é preciso buscar caminhos que não passem pelo aprisionamento.
Na semana passada, a Secretaria de Justiça do
Estado do Ceará inaugurou os primeiros equipamentos "body scanners",
obtidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e que possibilitam a
vistoria dos visitantes em presídios e não só deles: agentes penitenciários e
quem precisa entrar no local.
É o começo do fim da necessidade da taxada
"revista vexatória", que expunha especialmente mães e mulheres de
detentos à nudez para comprovar que não carregam nenhum ilícito para dentro da
penitenciária. Até o final do ano, as sete maiores unidades penitenciárias do
Ceará com esse equipamento. Entre o fim do "vexame" e os muitos
vexames que ainda existem no sistema penal, o Diretor Geral do Depen, Renato De
Vitto,
Somos o quarto país do Mundo em população
carcerária, de tudo o que já se sabe e propôs sobre o tema o que fazer a partir
de agora?
Primeiro a pensar é entender que são muito
grandes os desafios para a questão penitenciaria no Brasil. Hoje, em termos de
população carcerária, estamos atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia.
Se considerarmos as pessoas em prisão domiciliar, já pularíamos para o terceiro
lugar. O fato que temos é de uma situação dramática de déficit de vagas.
E o que pode vir durante e depois desse drama?
A criação de novas vagas se faz necessária para
que possamos gerir minimamente as pessoas que estão dentro do sistema
prisional. Não se consegue implementar nenhuma política de saúde, de trabalho,
de ressocialização, num ambiente nocivo pela própria superlotação. A gente tem
que tentar diminuir a pressão desse déficit prisional.
Até que ponto criar "novas" vagas
resolve?
É óbvio que não acreditamos que só construir
mais presídio seja a chave para a solução dos problemas do País. A impressão é
que vamos construir mais 50, mais 100 vagas e o número de prisões vem
aumentando.
E não é?
Nos últimos 20 anos - esse é um dado
acachapante, a população prisional no Brasil quadruplicou. Na verdade, nós
temos um fenômeno mundial de hiper encarceramento, mas aqui a taxa de
encarceramento é muito grande, quase que o dobro da taxa média de
encarceramento no Mundo. Então, temos que buscar caminhos que não passem pela
prisão. Fortalecimento das centrais de alternativas penais.
Como esse caminho chega até o preso?
O Governo Federal criando parceria com o Ceará
para uma Central de Alternativas Penais. Será uma central que monitora as
condições daquelas pessoas que responderam a processo. O juiz, em vez de
determinar a prisão, determine alguma prestação alternativa, como serviços à
comunidade, a prestação pecuniária em favor de alguma entidade educacional,
etc.. Então, as estratégias de fortalecimento das alternativas penais é um
caminho. Outro desafio é a questão dos presos provisórios, o Estado do Ceará
tem cerca de 70% das pessoas no sistema prisional ainda sem uma condenação
definitiva. É necessário que o judiciário também dialogue com os gestores e a
sociedade para que a gente avalie qual é o tamanho do orçamento para que a
gente trabalhe a política prisional. A gente tem um país com demandas sociais
tão sentidas, na área de educação, saúde, moradia, saneamento básico, que para
gente drenar uma parcela significativa do orçamento para a questão prisional é
uma situação delicada.
Ainda mais por que são os políticos que destinam
o orçamento...
O Governo Federal estima em um R$ 1 bilhão só
para custeio de pessoal. A linha do Ministério da Justiça, para construção em
2011, foi de R$ 1,1 bilhão, mas para pagamento de agentes, de todos os
equipamentos e serviços. Isso vai de enxoval, uniforme, vigilância externa,
então isso tem um custo orçamentário brasileiro muito grande. Mais que isso: um
custo social, que é as pessoas que cometeram crimes sem violência ou sem grave
ameaça, que são submetidas a um ambiente nocivo, 'deseducador' nas cadeias. O
custo social da prisão é muito grande.
Acabam sendo reféns das facções?
A questão das facções criminosas, das
organizações que surgem em alguma medida dentro do ambiente prisional, faz
refletirmos qual o melhor caminho. Por isso a gente acredita, no Depen, que o
confinamento deve ser reservado para aqueles casos de gravidade acentuada. Os
casos que comportam uma outra resposta do Estado sejam desviados do caminho da
prisão para outras alternativas, como as próprias alternativas penais que
adotamos.
Mas enquanto o senhor fala em alternativas
penais existe um setor que defende a maioridade penal
Verdade. Infelizmente, isso é consequência da
cultura ocidental, associar como única resposta possível do Estado aquela
punição, de preferência, que cause dor, suprima direitos. Tem uma frase, que um
amigo meu Juiz usa: "para quem só tem martelo, tudo é prego". Se eu
não tenho alternativas de encaminhamento e de intervenção estatal diferente, a
gente começa a raciocinar e o senso comum é muito conduzido por isso, de que a
prisão é a única forma de lidar com a violência. Existem formas mais
inteligentes, existem patamares de aprisionamento muito mais razoáveis para um
País que tem tantas carências sociais.
O que é preciso para mudar esse pensamento?
Temos que subverter essa opinião que às vezes é
'punitivista', que espera que a pessoa seja presa, para apresentar à população
que existem outras alternativas que trazem um resultado melhor, diminuem a
reincidência, não fazem que essa pessoa obrigatoriamente tenha que se filiar a
uma facção criminosa no presídio como forma de sobrevivência. A medida em que o
Estado consiga acabar esses caminhos, de fato, conseguir colocar um peso nas
politicas alternativas à prisão, acredito que a sociedade gradativamente vai se
sensibilizar de que a prisão não é o local ideal para reeducação, para
ressocialização. O que a gente não quer é um pais de grades, e sim um país de
cidadãos.
O seu antecessor pediu para sair do cargo,
alegou a situação traumática de ter a casa invadida e que era um momento de
ficar mais próximo da família. O senhor se sente vulnerável nessa posição?
Eu não me sinto vulnerável. O antigo diretor
geral teve a sua residência invadida para um crime de furto, não foi nenhum
crime que envolveu violência e não há nenhum indicativo de que o furto à casa
dele tenha se dado em virtude do cargo que ocupava. Evidente, que quando a
gente trabalha com segurança pública, é importante sempre estar atento.
Qual o critério para a destinação de recurso
para os Estados?
Existem critérios objetivos de repasses de
recursos para todas as ações. Um dos principais é o déficit prisional. Os
maiores destinatários de repasse de recursos federais não são integrantes da
base do Governo Federal, o que indica que essa forma de distribuição se encaixa
perfeitamente critérios objetivos e republicanos.
FIQUE POR DENTRO
Defensor público no comando do Depen
O atual diretor-geral do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos Pinto De Vitto, defensor público
de carreira no Estado de São Paulo, tomou posse no dia 19 de maio de 2014.
Substitui o promotor de Justiça Augusto Rossini, que coordenava o órgão desde
janeiro de 2011. De Vitto também exerceu funções de subdefensor Público-Geral e
coordenador-geral de Administração da Defensoria Pública de São Paulo. Foi
procurador do mesmo Estado entre os anos de 1998 e 2003, assessor da Secretaria
da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (SRJ/MJ) no período de 2003 a
2005. Também presidiu a Comissão de Justiça e Segurança do Instituto Brasileiro
de Ciências Criminais, vinculada ao Ministério.
Com a função de fiscalizar as penitenciárias
federais e estaduais de todo o País, o Depen tem a responsabilidade pela gestão
da Política Penitenciária brasileira e a manutenção administrativo-financeira
do Conselho Nacional de Política Crimina e Penitenciária (CNPCP). Também tem a
função de apoiar os Estados na implantação das unidades e serviços penais e na
formação de todo o pessoal envolvido no sistema penitenciário, além de cuidar
da gestão dos recursos arrecadados ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).
Melquíades Júnior
Repórter
Fonte: DN
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