30 de janeiro de 2013

CONCURSO DA PM: JUIZ ADMITE QUE PODE TER HAVIDO ERRO NA CONCESSÃO DE LIMINARES.

FOTO: IGOR DE MELO

O juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza Francisco Chagas Barreto Alves recebeu “com pesar” a notícia de que poderá ser investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a pedido da Procuradoria Geral do Estado (PGE). O órgão suspeita que magistrados estejam concedendo, indevidamente, liminares a requerentes não aprovados no concurso público para Policial Militar, realizado em 2008. 

Na apuração feita pelo O POVO, foram encontrados casos de candidatos que não se inscreveram no concurso ou estavam envolvidos em crimes como roubo e homicídio, mas entraram nas corporações por força de liminares.
O juiz admite que pode ter havido erro na concessão das liminares e que não cabe a ele a investigação caso a caso de todos os candidatos, em sua maioria reunidos em processos com dezenas de interessados. Segundo ele, as decisões que assinou foram feitas por sua própria consciência.
O POVO - Como o senhor recebeu a notícia de que a PGE (Procuradoria Geral do Estado) vai entrar com representação contra o senhor no CNJ (Conselho Nacional de Justiça)?

Francisco Chagas: Em primeiro lugar, acho que pela boa convivência que tenho com os procuradores do Estado, causa-me espécie um procurador de Estado chegar a dizer que eu integraria um esquema de concessão de liminares. Eu repudio essa afirmação. As liminares que eu possa ter dado ou deixado de dar, respondo por elas e elas falam po si. Eu as dei pela minha consciência. 


O POVO - A PGE alega que o senhor não indefere à toa os processos relacionados aos PMs, mas com vistas à maior rapidez no encaminhamento deles, quando estes chegam à 2ª instância.

Francisco Chagas: Então, todos os outros juízes estão colaborando para isso também? Na realidade, a celeridade é o que o Estado quer. Eu dar celeridade é ruim? Estou estou errado? Não vejo por aí. Quando abro a minha caixa (de e-mails) - nossos processos, hoje, são digitalizados - tem lá 30, 40 processos e eu tenho que dar vazão. Se a gente vê que esses processos não têm como ir adiante, extinguimos logo.


O POVO - Como se dá o fato de o senhor admitir o litisconsórcio com demandas diferentes, em alguns processos? A PGE sustenta que, juridicamente, isso é improvável.

Francisco Chagas: Em termos doutrinários, é perfeitamente possível após a distribuição do processo, até a própria lei do mandado de segurança prevê isso, a pessoa que tem o mesmo caso, o mesmo pedido, ele pode ingressar na ação tardiamente, desde que o juiz ainda não tenha mandado ouvir a parte adversa. Ocorre que o Tribunal de Justiça do Ceará tem se inclinado a decidir que o litisconsórcio tardio não deve ser aceito porque fere o princípio do Juiz Natural. De muito tempo para cá, talvez de 2010 para cá, eu não tenho mais aceito o litisconsórcio.


O POVO - Segundo a PGE, durante a distribuição dos processos na primeira instância, o advogado entra com vários requerentes, individualmente, e quando um dos processos cai na 2ª Vara, o advogado desiste das outras varas, e agrupa todos somente na 2ª vara, com a sua permissão. Isso é um procedimento legal?

Francisco Chagas: Não. Com relação ao litisconsórcio tardio, eu entendia que era possível, mas claro que eu estava recebendo isso de boa fé. De maneira nenhuma eu iria dizer (a advogados): desiste das outras (varas) e agrupa aqui. Não é assim que funciona. 


O POVO - E a variedade de motivos juntados no litisconsórcio, como o caso de candidatos que não fizeram o concurso?

Francisco Chagas: Como é uma liminar, fica difícil a gente apreciar caso por caso. Um (candidato) caiu (no concurso) por um problema no exame físico, outro caiu por causa do psicológico. Muitas vezes, esses advogados juntam tudo numa coisa só quando o litisconsórcio tem que ter, realmente, identidade de pedido e da causa do pedido. A liminar é algo que o juiz concede dentro da fumaça do bom direito. Os fatos alegados têm que ter indícios, mas a comprovação vai (acontecer) na instrução. 


O POVO - Quais os indícios que lhe servem para análise, nos casos dos PMs?

Francisco Chagas: Eles (requerentes) podem trazer documentos, declaração da Uece (Funece - Fundação Universidade Estadual do Ceará, realizadora do concurso), instrução processual (testemunhas). 


O POVO - Como o senhor se cerca de certezas?

Francisco Chagas: O que se concede é uma liminar. Toda a prova poderá ocorrer depois. Numa concessão de liminar, o juiz se baseia nos indícios. Ele não se baseia na prova concreta. A prova concreta ele vai buscar no decorrer da instrução. Aí é que nós chamamos de fumaça do bom direito. Não é necessário mostrar o bom direito, mas a fumaça do bom direito. 


O POVO - Se chega um candidato que ficou bem aquém da classificação da convocação, de que forma o senhor analisa o direito dele?

Francisco Chagas: Todo caso é um caso. Já indeferi sentenças em que o rapaz fez apenas 28 pontos. Não achei que ele tinha esse direito. Mas há também casos em que a gente defere. Na minha juventude, li a Divina Comédia, de Dante. O primeiro livro é o Inferno. Quando Dante desceu ao inferno e chegou aos portãos do inferno, ele se deparou com os covardes numa tremenda agonia. Quer dizer, a covardia é um verdadeiro inferno. Não vou deixar de conceder uma liminar que eu entenda que há a fundamentação da fumaça do bom direito e da demora, eu não vou me acovardar porque este ou aquele procurador não gosta de mim. Minha decisão tem que ser democrática e livre. A mais livre possível. E tenho o Tribunal de Justiça pra rever as minhas decisões. Processualmente, o juiz erra. E o Tribunal, processualmente, modifica. É por isso que há a segunda instância e ainda há os tribunais superiores. 


O POVO - Temos aqui um processo de um candidato que possui um inquérito policial aberto. Por lei, ele não poderia ser policial militar. O senhor concedeu liminar a ele.

Francisco Chagas: Aqui é uma antecipação de tutela, não é sentença. Entendi que havia motivos para eu conceder. Como ainda está para eu decidir, gostaria de não tecer nenhuma consideração sobre ele. 


O POVO - E a concessão da liminar para ele?

Francisco Chagas: Não é prática do Judiciário pedir folha corrida. 


O POVO - Mas quando o senhor concede a antecipação de tutela, ele já assume a corporação?

Francisco Chagas: Sim, mas está sub júdice. Essa liminar que foi concedida por mim pode ser revogada por mim mesmo através de um pedido de reconsideração. Ela pode ser revogada por um dos desembargadores das câmaras cíveis do Tribunal de Justiça. Pode ser revogada ainda pelo próprio presidente do Tribunal de Justiça. É importante que se diga: nós não pedimos folha corrida. Não há na legislação nenhuma exigência quanto à exigência da folha corrida. Outra coisa também é alguém ter sido condenado e passado em julgado; outro fato é alguém estar respondendo a um processo. 


O POVO - O senhor conhece o advogado José Joaquim Mateus Pereira?

Francisco Chagas: Sim, ele é persona non grata dentro das varas de Fazenda Pública. Não trabalho em processos que tenha o nome dele embaixo.


O POVO - Pela análise de vários processos que O POVO fez, ele é advogado, senão de todos, mas da grande maioria dos policiais.

Francisco Chagas: Ele tem uma associação de advogados que trabalham para ele. Outra coisa: é preciso que se saiba que o direito do cidadão é bom, com advogado, sem advogado e, apesar do advogado. Eu posso ter deferido como também indeferido.


O POVO - O senhor conhece o desembargador Valdsen?

Francisco Chagas: Tenho conhecimento do desembargador Valdsen, mas ele não vem a minha casa, eu não vou à casa dele. Não temos nenhuma relação de amizade, a não ser um conhecimento formal como tenho com todos os outros.


O POVO - Como o senhor está vendo o fato de a PGE entrar com uma representação contra o senhor no CNJ?
Francisco Chagas: Nós estamos dentro de um estado democrático. E dentro de um estado democrático de direito, eu tenho um prazo para defesa e comprovar que não há da minha parte nenhum desvio de conduta. Posso ser o magistrado que mais concede essas liminares. Não tenho essa estatística, mas o fato de conceder mais não quer dizer que participo de um esquema de concessão de liminares. Recebo essa notícia com profundo pesar. Sou um homem aberto, transparente. Me coloco à disposição da Procuradoria para reapreciar, com pedido de reconsideração que esteja ainda ao meu alcance, de qualquer situação que tenha problema e que eu possa entender que de fato eu me equivoquei. É possível.
ENTENDA A NOTÍCIA
Algumas liminares concedidas aos candidatos foram cassadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O órgão considerou as decisões ilegais, e proferidas com abuso de poder. Pelo menos 346 pessoas foram favorecidas.

2 comentários:

Unknown disse...

Entendemos também, que o Dr. Chagas Barreto é um magistrado exemplar e, suas decisões devem ser respeitadas, divergidas quando necessário, deferida ou indeferida quando analisada alguns equívocos. Outra coisa, apesar da idade do nobre magistrado, o stress do dia-a-dia, a correria intensa nos tribunais de justiça tanto do Ceará como no restante do mundo, estão carecendo de uma decisão, e como disse o r. magistrado, a concessão é de uma simples liminar e isso pode ser revogada a qualquer momento, basta o seguimento da instrução processual, é fácil de entender!!! E outra, concurso público já fala por si só, é público! Portanto, aquela história de dizer que tem idade pra prestar concurso, principalmente aos quadros da PM está em desencontro com a CF de 88, e em muitos casos os candidatos são reprovados por questões pessoais de quem os avalia!! E quanto aos que respondem a Inquéritos Policiais, até que transite e julgue, o investigado é tecnicamente inocente independentemente do que se esteja investigando! O juiz singular ou câmara é livre a dar o seu veredicto e cabe ao adverso... fazer sua alegações, produzir provas e contra-provas. Porém, o candidato não pode ser prejudicado porque a administração executiva do estado queira, não!!! Certo? É o meu pequeno pensamento!! Portanto, o juiz pode ter se equivocado, mas jamais participar ou ter entendimento antecipado com quem quer que seja!!!

Anônimo disse...

Entendo q quem errar, tem q responder, principalmente pessoas públicas, ñ importa ser juis, promotor, policial, professor, médico, ñ interessa, se o juiz errou, tem q responder na forma de lei e pt.