Já parou para pensar quantas pessoas presas existem no Ceará?
O número é expressivo: ao todo, são 18.066 pessoas entre os regimes aberto, semiaberto e fechado. Mas nem todos estão encarcerados, sendo 13.049 presos em regime fechado (condenados e provisórios) e 5.017 presos, em regimes semiaberto e aberto. Ao todo, são 146 estabelecimentos penais no Ceará. São quatro penitenciárias. Quatro casas de custódia, dois presídios, duas colônias agrícolas, dois hospitais, 131 cadeias públicas.
O problema se dá no total de vagas para receber os detentos: são apenas 8.101 vagas e deixa de fora do sistema 9.965 presos, causando a superlotação de presídios e delegacias. Os dados foram fornecidos pela Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus).
Para a defensora pública e assessora especial do sistema penitenciário da Sejus, Patrícia de Sá Leitão, apopulação carcerária é grande, onerosa, mas carente de atenção. “Vale ressaltar que cerca de 60% da massa carcerária do estado está presa provisoriamente, ou seja, aguardam a sentença condenatória na prisão e que poderiam ser acautelados por outras medidas alternativas. É um número alto e cabe à Sejus administrar toda a ansiedade do interno que não sabe quanto tempo ficará detido”, considerou.
Vistoria do Gate após tumulto na Colônia Urbana Industrial do Itaperi, antigo Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I, em Fortaleza (FOTO: Marcos Dublê/TV Jangadeiro) |
“Recebemos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) os presos que são encaminhados pela Delegacia de Capturas e Polinter. Para se ter uma ideia, de janeiro a dezembro de 2012, a Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará recebeu da Delegacia de Capturas e Polinter o total de 4.531 presos, quantidade que corresponde a capacidade de quase cinco casas de privação provisória de liberdade (em média de 950 vagas)”, revelou.
Gastos
Segundo Patrícia Leitão, um preso custa ao estado, em média, R$ 1.259,79 por mês. Multiplicando esse valor pelo total de detentos do Ceará, o resultado é de R$ 22.759.366,14 mensais, quase R$ 23 milhões dos cofres do estado. “É um custo que inclui a soma de todas as contas da unidade que funcionam 24 horas por dia. Ao se analisar apenas os números parecem altos demais. E é, mas precisamos pensar que a única pena em que a Lei de Execução Penal impõe ao interno é a privação da liberdade. Todos os demais serviços devem estar ofertados pelo Estado. É um preço alto para a sociedade e para o Estado, por isso acreditamos na pena de prisão como uma exceção e não uma regra”, disse.
Administração de um presídio
“Todas as unidades seguem o Regimento Interno do Sistema Penitenciário que é elaborado pela Sejus juntamente com o Conselho Penitenciário Estadual, formado por diversos órgãos e sociedade civil. Este regimento estabelece as regras que devem ser adotadas por todas as unidades do Ceará”, ressaltou a defensora.
Mas cada penitenciária possui uma gestão específica. A escolha dos diretores, por exemplo, é realizada com os agentes penitenciários a partir de uma avaliação da gestão de mérito, idoneidade, compromisso e habilidade de liderança.
Crime e conduta
O supervisor do Núcleo de Assistência aos Presos e às Vítimas de Violência (Nuap) da Defensoria Pública do Ceará, defensor público Bruno Gonçalves Neves, informou todo o percurso de uma pessoa que comete um delito e é encaminhada a um presídio. De acordo com ele, atualmente, os delitos cometidos que mais causam prisão são: tráfico de drogas e roubo. Já os que provavelmente não responderão o processo em liberdade são aqueles que comentem: estupro, latrocínio e homicídio.
“Quando o preso chega à delegacia, o delegado pergunta se possui um advogado. Caso ela não tenha, em 24 horas tem de chegar à comunicação à Defensoria. Todos têm o direito, na Constituição, independentemente do crime, ao defensor para assisti-lo. E, na maioria dos casos, a pessoa não possui advogado”, explicou.
A partir daí, o Nuap divide-se para atender a demanda, com apenas seis defensores no núcleo. “No estado, em poucas comarcas há defensor público. No Nuap são seis defensores, mas temos cerca de 5 mil presos provisórios”, revelou.
Segundo Bruno Neves, mesmo não tendo sido condenado, o infrator é mantido encarcerado, muitas vezes por receio de soltá-lo e ele novamente cometer crimes. “Se por acaso não conceder a liberdade, entra-se com Habeas Corpus”. Ele também justificou o total de presos provisório devido a muitos processos para serem julgados, à própria morosidade do Judiciário, além da falta de juízes.
O supervisor explicou que há três núcleos de assistência ao infrator: o primeiro é o defensor que assiste ao preso e pede a liberdade; o segundo é na ação penal, já no julgamento do processo; a terceira e última é após a condenação do detento para a execução penal. A última fase é a que o defensor acompanha toda a trajetória do infrator dentro do presídio. “Nessa fase, o defensor visita os estabelecimentos. Se o preso está em regime fechado, ele pede para ir para o semiaberto, por exemplo”, esclareceu.
A Sejus informou que, para análise de conduta, é emitida uma certidão carcerária sobre o comportamento do preso e, caso ele tenha alguma falta dentro do sistema (problemas de comportamento, disciplina ou fez algum ato ilícito) isso pode ser considerado. “Mas a decisão de mérito ou beneficio é do juiz que acompanha aquele caso. O Judiciário analisa a situação e decide sobre a regressão do regime ou revogação de algum benefício anteriormente conquistado”, afirmou.
Ressocialização
A defensora Patrícia Leitão, assessora especial da Sejus acredita na ressocialização, criada pela Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso. “Não é possível pensar somente no lado punitivo da prisão, pois este homem ou mulher irá retornar ao seio social. E deve retornar melhor do que entrou. Precisamos abrir opções para que ele possa voltar com um oficio, com educação, com um curso profissionalizante, com mais apego a família, enfim, precisamos auxiliar para que ele busque novos horizontes. O Brasil é o terceiro país no mundo que mais encarcera pessoas. Precisamos pensar em novas opções e, principalmente em medidas cautelares alternativas à prisão.”, ressaltou.
De acordo com a Sejus, ao todo estão em funcionamento 12 programas permanentes de ressocialização, além do estudo formal e profissionalizante dentro das unidades prisionais. Além de ter bom comportamento (não cometer falta disciplinar grave, do tipo: se envolver em rebelião, desrespeitar o agente penitenciário, fugir, utilizar ou fornecer aparelhos celulares, etc), o preso poderá remir a pena através do trabalho e/ou estudo, tendo como uma boa saída os programas de ressocialização oferecidos. “A Lei de Execução Penal disciplina que a cada três dias trabalhados haverá diminuição de um dia da pena. O mesmo observa-se na lei 12.433, que dispõe sobre a remição através do estudo”.
Conforme afirmou assessora especial, Patrícia Leitão, a Sejus acredita que seu regime de ressocialização funciona, mas não divulga seus próprios números. Até o fechamento desta matéria, a Sejus não havia enviado o número de presos inseridos nos programas e nem a quantidade de detentos que conquistaram benefícios através deles.
Sistema maquiado?
“Na atual situação [do sistema carcerário do Ceará], ele [o preso] entra um ladrão de celular e sai um clínico geral”, revelou o presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos no Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp), Valdemiro Barbosa Lima Junior, referindo-se à saída de detentos dos presídios para a sociedade.
De acordo com ele, o sistema carcerário vive uma crise sem precedentes na história. “É tudo maquiagem. É um sistema maquiado”, contou, criticando os depoimentos da Sejus sobre programas de ressocialização.
“É uma crise no efetivo, com más condições de trabalho. O crime está se organizando lá dentro. Eles estão praticando crimes de dentro da cadeia e nós não temos efetivo para combatê-los”, revelou.
Barbosa informou que não há separação de crimes dentro dos presídios, exceto os crimes de violência contra mulher, como o estupro. “Eles acabam aprendendo lá dentro. Acaba tudo misturado. É [artigo] 121 com 107, todos juntos”, confidenciou.
Ele ainda afirmou que todas as unidades estão superlotadas e que essa situação influencia na conduta dos detentos. “Imagina você dentro de uma cela para três pessoas, tendo que conviver com 12 em um espaço reduzido. O cara já é problemático ainda fica com mais gente, cinco vezes o número de pessoas, aí acaba se atritando. Se uma família com muita gente já é difícil”, avaliou.
Além disso, os problemas com sucateamento são visíveis, de acordo com o presidente. “Os presídios estão totalmente sucateados, com problemas estruturais sérios. A muralha do IPPOO II está para cair. A Sejus reconhece o problema, mas não faz nada, fica parado na burocracia. Se for lá tem uma pilha de ofícios (…)”.
Sem agentes
O presidente reclamou do atual efetivo de agentes penitenciários. “São 634 agentes penitenciários para 18.500 presos. Para o sistema funcionar de forma razoável, são necessário 2.500”, disse.
De acordo com Barbosa, o governo do estado fez um concurso, tendo 1.724 aprovados, mas nomeou 800.
“Eles estão dobrando, mas fica longe de atender a carência do sistema e a insegurança no presídio. O sistema não ressocializa, porque está tudo parado e não tem agente. Vão entrar, na Região Metropolitana de Fortaleza, 364 concursados, dando um total de apenas quatro agentes a mais por equipe”, contou.
Distribuição
Como a massa carcerária é grande, a distribuição dos detentos é bastante importante. Dessa forma, a defensora pública afirmou que a responsável por esse processo é a Comissão de Avaliação de Transferência e Gestão de Vagas (CATVA), que analisa o ingresso, o reingresso e a transferência de presos dentro do sistema penitenciário estadual. A Comissão direciona a pessoa presa para a unidade adequada ao seu perfil, levando em conta a capacidade da unidade, o regime a qual o detento está condicionado, o grau de periculosidade, a idade e o sexo.
Fonte: Tribuna do Ceará
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