Ao ingressar em qualquer profissão, o
indivíduo é submetido a categorias de preconceito que até então não lhe
atingiam. Assim, no Brasil, o médico é visto como alguém bem-sucedido
financeiramente. O professor como um profissional não muito valorizado. O político como alguém de quem se deve
desconfiar. Todos esses paradigmas são padrões socialmente assimilados após
certa quantidade de acontecimentos que conferem sentido a esses entendimentos.
De fato, não é difícil encontrar médicos abastados, professores mal pagos e
políticos que traíram a confiança de alguém em nosso país.
Como o leitor deve desconfiar, também há um
conjunto de concepções projetadas sobre o sujeito que passa a receber o título
de “policial”. Das inúmeras categorias em que passamos a ser enquadrados – como
a de pessoa inculta e intelectualmente rasa -, gostaria de destacar aquela que
me parece danosa ao objetivo de avançarmos na construção de sujeitos policiais
mais alinhados com a resolução pacífica de conflitos e com o respeito à
legalidade cidadã.
Refiro-me ao estereótipo que considera o
policial como alguém que, a qualquer momento, pode usar a força para intervir
em questões de ordem pessoal, ou agir afetiva ou pessoalmente quando estiver na
condição institucional (legal) de uso da força. O policial, para o brasileiro
médio, é considerado o “irmão mais velho” a quem se pode recorrer para
retaliações, ameaças e ofensas. Ou mesmo um brutamontes que sempre terá uma forma
violenta de lidar com os seus problemas, a quem, portanto, deve-se temer.
A pergunta óbvia é: por que esse paradigma
não é desfeito com a simples recusa dos policiais em vestir essa carapuça? Se
um político pode ser muito franco e transparente em suas ações para negar o
preconceito da desonestidade, o que leva um policial a manter-se inerte ao
estereótipo que lhe atribuem?
Parece haver aí um problema de autoestima, em
que o policial torna-se socialmente valorizado por ser um potencial autor de
violência. Principalmente o policial homem sente-se importante por ser uma
ameaça – e, algumas vezes, é instrumentalizado por terceiros que têm a
oportunidade de usar essa ameaça para os fins que lhes interessem. Não é
coincidência que esse mecanismo funcione particularmente com policiais homens,
já que, desde a infância, aprendemos que “homem não leva desaforo para casa”.
Esse é um dos motivos que torna desafiador
falar sobre policiamento comunitário, policiamento voltado para a resolução de
conflitos e respeito à cidadania na segurança pública brasileira. Quando o meio
social em que o policial está inserido o estimula ao uso da força informal,
muitas vezes ilegal e abusiva, é difícil fazê-lo contrariar sua própria
autoestima, que se alimenta dessa “razão de ser” extraoficial do seu trabalho.
Discutir as causas e os efeitos desse
estereótipo é falar de machismo, do jeitinho brasileiro (que ninguém tratou
melhor que Roberto Da Matta) e de formação policial, esta que tem o complexo
papel de evitar que os policiais sejam capturados por essa dinâmica. O desafio
é conduzir as tropas ao entendimento de que é muito mais vantajoso não ser um
brutamontes.
Fonte: Abordagem Policial
Um comentário:
Correto!
Parabéns pela matéria crítica e construtiva, ah quem dera, se 20% da própria polícia seja civil ou militar tivesse esse conhecimento, pelo menos o conhecimento, ficaria fácil a dominação da própria estima.
Ao contrário de um policial brutamontes é que está inserido nos cursos de Segurança Pública de todo o país as disciplinas de cidadania, e, princípios constitucionais de 1ª geração, direitos do homem (e mulher), Direitos Humanos, etc.
A harmonia policia e pessoal de cada policial frente ao combate ao crime em suas espécies deve pautar-se pelos direitos e garantias individuais, inclusive dos cidadãos policiais, por questão de Direitos Humanos a começar dentro da própria caserna para depois exteriorizar-se à sociedade.
Parabéns, mais uma vez pela matéria!
O conhecimento e sua divulgação faz a diferença em qualquer sociedade.
Postar um comentário