16 de junho de 2014

DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO: 'A TAXA DE ENCARCERAMENTO NO BRASIL É QUASE O DOBRO DA MUNDIAL'

Segundo o diretor do Depen, recém-empossado no cargo, é preciso buscar caminhos que não passem pelo aprisionamento.

Na semana passada, a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará inaugurou os primeiros equipamentos "body scanners", obtidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e que possibilitam a vistoria dos visitantes em presídios e não só deles: agentes penitenciários e quem precisa entrar no local.
É o começo do fim da necessidade da taxada "revista vexatória", que expunha especialmente mães e mulheres de detentos à nudez para comprovar que não carregam nenhum ilícito para dentro da penitenciária. Até o final do ano, as sete maiores unidades penitenciárias do Ceará com esse equipamento. Entre o fim do "vexame" e os muitos vexames que ainda existem no sistema penal, o Diretor Geral do Depen, Renato De Vitto,

Somos o quarto país do Mundo em população carcerária, de tudo o que já se sabe e propôs sobre o tema o que fazer a partir de agora?

Primeiro a pensar é entender que são muito grandes os desafios para a questão penitenciaria no Brasil. Hoje, em termos de população carcerária, estamos atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Se considerarmos as pessoas em prisão domiciliar, já pularíamos para o terceiro lugar. O fato que temos é de uma situação dramática de déficit de vagas.

E o que pode vir durante e depois desse drama?

A criação de novas vagas se faz necessária para que possamos gerir minimamente as pessoas que estão dentro do sistema prisional. Não se consegue implementar nenhuma política de saúde, de trabalho, de ressocialização, num ambiente nocivo pela própria superlotação. A gente tem que tentar diminuir a pressão desse déficit prisional.

Até que ponto criar "novas" vagas resolve?

É óbvio que não acreditamos que só construir mais presídio seja a chave para a solução dos problemas do País. A impressão é que vamos construir mais 50, mais 100 vagas e o número de prisões vem aumentando.

E não é?

Nos últimos 20 anos - esse é um dado acachapante, a população prisional no Brasil quadruplicou. Na verdade, nós temos um fenômeno mundial de hiper encarceramento, mas aqui a taxa de encarceramento é muito grande, quase que o dobro da taxa média de encarceramento no Mundo. Então, temos que buscar caminhos que não passem pela prisão. Fortalecimento das centrais de alternativas penais.

Como esse caminho chega até o preso?

O Governo Federal criando parceria com o Ceará para uma Central de Alternativas Penais. Será uma central que monitora as condições daquelas pessoas que responderam a processo. O juiz, em vez de determinar a prisão, determine alguma prestação alternativa, como serviços à comunidade, a prestação pecuniária em favor de alguma entidade educacional, etc.. Então, as estratégias de fortalecimento das alternativas penais é um caminho. Outro desafio é a questão dos presos provisórios, o Estado do Ceará tem cerca de 70% das pessoas no sistema prisional ainda sem uma condenação definitiva. É necessário que o judiciário também dialogue com os gestores e a sociedade para que a gente avalie qual é o tamanho do orçamento para que a gente trabalhe a política prisional. A gente tem um país com demandas sociais tão sentidas, na área de educação, saúde, moradia, saneamento básico, que para gente drenar uma parcela significativa do orçamento para a questão prisional é uma situação delicada.

Ainda mais por que são os políticos que destinam o orçamento...

O Governo Federal estima em um R$ 1 bilhão só para custeio de pessoal. A linha do Ministério da Justiça, para construção em 2011, foi de R$ 1,1 bilhão, mas para pagamento de agentes, de todos os equipamentos e serviços. Isso vai de enxoval, uniforme, vigilância externa, então isso tem um custo orçamentário brasileiro muito grande. Mais que isso: um custo social, que é as pessoas que cometeram crimes sem violência ou sem grave ameaça, que são submetidas a um ambiente nocivo, 'deseducador' nas cadeias. O custo social da prisão é muito grande.

Acabam sendo reféns das facções?

A questão das facções criminosas, das organizações que surgem em alguma medida dentro do ambiente prisional, faz refletirmos qual o melhor caminho. Por isso a gente acredita, no Depen, que o confinamento deve ser reservado para aqueles casos de gravidade acentuada. Os casos que comportam uma outra resposta do Estado sejam desviados do caminho da prisão para outras alternativas, como as próprias alternativas penais que adotamos.

Mas enquanto o senhor fala em alternativas penais existe um setor que defende a maioridade penal

Verdade. Infelizmente, isso é consequência da cultura ocidental, associar como única resposta possível do Estado aquela punição, de preferência, que cause dor, suprima direitos. Tem uma frase, que um amigo meu Juiz usa: "para quem só tem martelo, tudo é prego". Se eu não tenho alternativas de encaminhamento e de intervenção estatal diferente, a gente começa a raciocinar e o senso comum é muito conduzido por isso, de que a prisão é a única forma de lidar com a violência. Existem formas mais inteligentes, existem patamares de aprisionamento muito mais razoáveis para um País que tem tantas carências sociais.

O que é preciso para mudar esse pensamento?

Temos que subverter essa opinião que às vezes é 'punitivista', que espera que a pessoa seja presa, para apresentar à população que existem outras alternativas que trazem um resultado melhor, diminuem a reincidência, não fazem que essa pessoa obrigatoriamente tenha que se filiar a uma facção criminosa no presídio como forma de sobrevivência. A medida em que o Estado consiga acabar esses caminhos, de fato, conseguir colocar um peso nas politicas alternativas à prisão, acredito que a sociedade gradativamente vai se sensibilizar de que a prisão não é o local ideal para reeducação, para ressocialização. O que a gente não quer é um pais de grades, e sim um país de cidadãos.

O seu antecessor pediu para sair do cargo, alegou a situação traumática de ter a casa invadida e que era um momento de ficar mais próximo da família. O senhor se sente vulnerável nessa posição?

Eu não me sinto vulnerável. O antigo diretor geral teve a sua residência invadida para um crime de furto, não foi nenhum crime que envolveu violência e não há nenhum indicativo de que o furto à casa dele tenha se dado em virtude do cargo que ocupava. Evidente, que quando a gente trabalha com segurança pública, é importante sempre estar atento.

Qual o critério para a destinação de recurso para os Estados?

Existem critérios objetivos de repasses de recursos para todas as ações. Um dos principais é o déficit prisional. Os maiores destinatários de repasse de recursos federais não são integrantes da base do Governo Federal, o que indica que essa forma de distribuição se encaixa perfeitamente critérios objetivos e republicanos.

FIQUE POR DENTRO

Defensor público no comando do Depen

O atual diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos Pinto De Vitto, defensor público de carreira no Estado de São Paulo, tomou posse no dia 19 de maio de 2014. Substitui o promotor de Justiça Augusto Rossini, que coordenava o órgão desde janeiro de 2011. De Vitto também exerceu funções de subdefensor Público-Geral e coordenador-geral de Administração da Defensoria Pública de São Paulo. Foi procurador do mesmo Estado entre os anos de 1998 e 2003, assessor da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (SRJ/MJ) no período de 2003 a 2005. Também presidiu a Comissão de Justiça e Segurança do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, vinculada ao Ministério.

Com a função de fiscalizar as penitenciárias federais e estaduais de todo o País, o Depen tem a responsabilidade pela gestão da Política Penitenciária brasileira e a manutenção administrativo-financeira do Conselho Nacional de Política Crimina e Penitenciária (CNPCP). Também tem a função de apoiar os Estados na implantação das unidades e serviços penais e na formação de todo o pessoal envolvido no sistema penitenciário, além de cuidar da gestão dos recursos arrecadados ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen).

Melquíades Júnior
Repórter

Fonte: DN

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