Nas sociedades capitalistas é comum que o valor
de um indivíduo seja aferido através do seu poder de compra, e isso tem muito a
ver com seus rendimentos – a quantidade de dinheiro que ele consegue adquirir
em determinado espaço de tempo.
Não é à toa que, falando de valorização dos
policiais brasileiros, sempre se remete à questão salarial como um problema
sério, pois além de garantir elementos essenciais para a sobrevivência, “ganhar
bem” concede ao profissional um posicionamento social de relevância.
Mas se por um lado há corporações policiais no
Brasil que podem reclamar bastante dos seus vencimentos, relativamente
inadequados para a função exercida, por outro, há uma supervalorização do papel
que o incremento salarial possui na construção de policiais e instituições
valorizadas.
Neste artigo vou tratar de sete elementos que
são muito importantes para a construção de polícias mais dignas e valorizadas,
e que, se esquecidos, podem tornar uma corporação tão ou mais inviável do que
um contexto de baixos salários.
1. Ambiente ético-disciplinar
Por ser uma instituição responsável pela
aplicação da lei, qualquer polícia corre grande risco de minar suas estruturas
internas quando deixa de punir desvios de conduta, principalmente nos altos
escalões, responsáveis pela liderança e gestão corporativa.
No trato diário com o cidadão, o abuso e a
corrupção desgastam a relação com a comunidade, gerando desconfiança, trauma e
desrespeito.
Para o policial não envolvido, conviver com esse
tipo de prática gera vergonha e destrói o orgulho pela profissão. Por isso,
para preservar as instituições policiais, o serviço policial e os policiais
individualmente é preciso prevenir e reprimir distorções ético-disciplinares,
principalmente as que estejam instauradas culturalmente.
2. Doses de valorização
Digamos que um soldado de uma polícia militar em
início de carreira tenha vencimentos iniciais de R$8.000 mil reais. Parece
ótimo, não é?
Mas considere o mesmo soldado ganhando os mesmos
R$8.000 mil reais após 30 anos de serviço (corrigida apenas a inflação).
Provavelmente ele estará desmotivado e insatisfeito no final da carreira.
“É preciso que as polícias tenham planejamentos
racionais postos em prática nas carreiras de seus policiais”
É preciso que as polícias tenham planejamentos
racionais postos em prática nas carreiras de seus policiais. É fundamental que
as promoções ocorram com regularidade, que haja adendos remuneratórios que reconheçam
boas práticas (como a capacitação por conta própria).
Mas não é só dinheiro.
Existem diversas formas de reforço positivo que
nada custam financeiramente, mas que enaltecem o ânimo dos profissionais.
Exemplos: elogios, medalhas, láureas, homenagens etc. Todos eles concedidos a
partir de critérios objetivos, éticos e justificáveis.
3. Estabilidade política
Quem tem como missão fazer com que a lei seja
cumprida não pode estar vulnerável aos ventos políticos de ocasião.
Os policiais precisam ter a segurança de que, ao
cumprir seu papel, não serão retaliados e castigados. Um exemplo: todo e
qualquer indivíduo deve ter a garantia de manter-se estável em seu local de
trabalho, próximo de sua família, não sendo transferido, salvo em caso de
escolha que o beneficie (no início da carreira é impossível satisfazer a todos,
mas nesse caso os critérios são estabelecidos logo ao ingressar na polícia).
São necessários elementos que blindem as
polícias de intervenções que ferem a integridade institucional, e desencorajam
os policiais de cumprirem seus papéis.
4. Efetividade na atuação
Existem dois principais motivos para os
policiais brasileiros sentirem que seus esforços contra a violência não estão
tendo resultado: a política de drogas vigente e a quebra do ciclo policial.
Na política de drogas a quantidade de apreensões
aumenta na mesma proporção em que aumenta a quantidade de usuários e de presos
que atuam no varejo do tráfico. Em vez de adotar medidas de controle e redução
de danos (como ocorre com o tabaco no Brasil) as polícias são colocadas na
condição irracional de quem deve reverter uma lei consagrada da economia,
segundo a qual “quando há demanda, há oferta”.
Já a quebra do ciclo policial torna as polícias
estaduais rivais em uma dispendiosa disputa por espaço institucional e
informações sobre a atuação criminosa. As polícias militares ficam órfãs das
ocorrências que deram início e as polícias civis pegam “o bonde andando” do que
é apresentado pelas polícias militares.
Rever essas estruturas e conceitos, fazendo os
policiais sentirem os resultados de suas ações, é urgente.
5. Envolvimento comunitário
Quanto mais envolvido com a comunidade,
assumindo a condição de liderança comunitária, sendo reconhecido pela população
que protege, mais o policial se sente orgulhoso e motivado.
Ao mediar conflitos e desenvolver atividades de
prevenção à violência em uma comunidade, o policial passa a ser uma referência,
e é naturalmente destacado por isso.
“Quanto mais envolvido com a comunidade, sendo
reconhecido pela população que protege, mais o policial se sente orgulhoso e
motivado”
Uma boa forma de aferir esse tipo de valor é
comparando policiais que atuam em cidades de pequeno porte com policiais que
atuam em grandes centros urbanos. Em virtude das relações mais superficiais,
das características geográficas e culturais das grandes cidades, é mais
desafiador que os policiais se mantenham próximos das comunidades, algo que
ocorre com muita facilidade em pequenos municípios.
Algumas iniciativas Brasil afora já mostram que
é possível inserir os policiais em uma relação produtiva com os cidadãos
não-policiais mesmo em grandes cidades. Ganha a sociedade e os próprios
policiais, que passam a ser notórios colaboradores.
6.
Estruturas físicas e logísticas
É destruidor para qualquer profissional atuar em
um ambiente sujo, inóspito e decadente. Há delegacias e quartéis Brasil afora
que não têm condições mínimas para que os policiais exerçam suas funções, e
isso tem consequência direta na prestação de serviço e na motivação.
Como conceber que policiais atuem em uma
profissão que possui riscos inevitáveis e que essa exposição seja aprofundada
pela falta de equipamentos de proteção individual, falta de meios de transporte
(viaturas) adequados, instalações que geram estresse e desconforto etc?
Do alimento durante o serviço ao tipo de
armamento que o policial utiliza, as condições de trabalho devem ser prioridade
para a dignidade na atuação das tropas.
7. Lideranças
Há um provérbio chinês (atribuído a Lao-Tsé) que
afirma que “Quando o líder efetivo dá o seu trabalho por terminado, as pessoas
dizem que tudo aconteceu naturalmente”.
Não é exagero dizer que chefes mal preparados
costumam aumentar os problemas a serem enfrentados pelos policiais, em vez de
facilitar sua resolução. Quanto menos lideranças verdadeiras uma polícia tem,
mais dificilmente o ambiente organizacional é saudável.
Nesse sentido vale ler o pequeno texto abaixo,
do empresário e palestrante Flávio Augusto, sobre as diferenças existentes
entre chefes e líderes:
Enquanto o chefe impõe, o líder conquista.
Enquanto o chefe atrai puxa-sacos e
interesseiros, o líder atrai seguidores voluntários.
Enquanto o chefe é truculento, o líder
surpreende pela paciência.
Enquanto o chefe visa somente os números, o
líder inspira aqueles que fazem os números parecerem pequenos.
O chefe encerra o assunto. O líder argumenta com
inteligência.
O chefe segue a pauta da reunião. O líder é
sensível para, se necessário, mudar o rumo do roteiro.
O chefe empurra goela abaixo. O líder põe água
na boca e sua ideia desce gostoso.
O chefe não reconhece o valor de outros líderes.
O líder é humilde pra aprender com quem provou seu valor com resultados.
O chefe tem resultados limitados. O líder cresce
sem limites em tudo que coloca suas mãos.
Não tem um líder?
Seja você este líder.
Concluindo…
Parece óbvio que, apesar de ter sua importância,
a questão salarial não é a única que impacta diretamente na autoestima dos
policiais e na valorização das polícias.
Corporações que cuidam dos 7 fatores acima
tendem a ser mais respeitadas, admiradas e valorizadas, gerando, inclusive,
maior reconhecimento pecuniário como consequência. Cada policial pode
contribuir um pouco com todos esses elementos.
Fonte: Abordagem Policial
2 comentários:
Coisa muito bonita é a teoria.
Coisa muito bonita é a teoria.
Postar um comentário